Espaço de compartilhamento, registros, sensações, reflexões, discussões, expressões, imagens, sons, vazios... de diversos elementos da forma e do conteúdo da arte e da vida. Blablabla...

"(...) não o grites de cima dos telhados, deixa em paz os passarinhos (...)"

"(...) Quem pode, pode Deixa os incomodados que se incomodem (...)"

"(...) um coturno (...) sapatilhas de arame (...) alpercatas de aço (...) pés descalços sem pele (...) um passo que a revele (...)"

"(...) Pra pedir silêncio eu berro Pra fazer barulho eu mesma faço (...)"

quarta-feira, 19 de março de 2014

Texto em Composição

"De repente o tempo passou e as mãos dela estavam iguais às da mãe. A ranhura das unhas, a pele já um pouco enrugada e levemente mais flácida do que cinco anos atrás. Mais gordinhas também, denunciando, mesmo que isoladamente do restante do corpo, um quadril mais cheio, um tronco mais robusto, pernas mais grossas, uma papada abaixo do queixo. Já não podia ver o mundo da mesma maneira. Estava fadada à passagem do tempo. Percebia-o com todo o corpo. Percebia-o, sobretudo, com a pele. Um aperto no peito hoje, após uma experiência específica, era mais evidente do que outrora, ao início de um novo projeto. Os fantasmas do passado estavam de volta. Pela primeira vez, ela estava encorajada de uma forma diferente para lidar com eles. Pela primeira vez defrontava-se com seu duplo sombrio, não apenas de frente, como também o abraçando por trás. Podia surrá-lo com toda a sua força e podia abraçá-lo, dançar junto com ele. Podia lançar-se ao mundo de uma nova maneira. Não sabe bem se isto tudo se devia à experiência das últimas 48 horas. Provavelmente estava conectado com os últimos 14 anos. Fato é que sentia um novo vigor, uma nova forma de respirar a sua obra. Já ia esquecendo de mencionar: ela era artista. Ninguém aqui está dizendo que os fantasmas sumiam de todo. Mas novas transformações se operavam, e isto, de tão surpreendente, a assustava de outra maneira. Um pouco mais positiva, agora. O espanto. Consigo, com o mundo, com relações. Um espanto tranquilo, desta vez. Não de todo, nunca de todo, mas se algum agito existia, era de uma felicidade sublime, não mais de angústia. Pelo menos naquele momento."