Espaço de compartilhamento, registros, sensações, reflexões, discussões, expressões, imagens, sons, vazios... de diversos elementos da forma e do conteúdo da arte e da vida. Blablabla...

"(...) não o grites de cima dos telhados, deixa em paz os passarinhos (...)"

"(...) Quem pode, pode Deixa os incomodados que se incomodem (...)"

"(...) um coturno (...) sapatilhas de arame (...) alpercatas de aço (...) pés descalços sem pele (...) um passo que a revele (...)"

"(...) Pra pedir silêncio eu berro Pra fazer barulho eu mesma faço (...)"

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Feliz 2011

Que 2011 seja um ano cheio de momentos felizes para todos nós!!!



A foto é de Kiran Federico León.

Texto do Colóquio (Final)

             Bem, chegamos finalmente à parte que termino o texto RELAÇÕES ENTRE ÉTICA E ESTÉTICA NA CRIAÇÃO TEATRAL CONTEMPORÂNEA, que venho postando aqui em partes desde 21 de dezembo. Como sabem, não sou blogueira diária, mas tento postar relativamente rápido, o que também depende do momento que estou vivendo. Quando a demanda de trabalho é maior, se torna impossível.
             Segue abaixo então o texto. Espero que gostem. Mandem opiniões, se quiserem, bem à vontade. E feliz Ano-Novo.

(...) 
            Abre-se então uma nova questão que é o centro de nossa investigação, que significa a compatibilidade entre a vivência do grupo, seu modo operatório, o comportamento ético nas relações indivíduo e coletivo e a experiência estética que sua poética se propõe. Nessa questão se destacam a dificuldade de efetiva vivência dos valores concebidos e as ações, a capacidade da vivência da diversidade em favor de um processo de criação comum.
            No caso do grupo Neelic, se faz necessário iniciar contextualizando sua realidade concreta: trata-se de um grupo situado no contexto de uma capital brasileira, fora do eixo de grande produção nacional (Rio de Janeiro – São Paulo), em que alguns integrantes não conseguem ter, assim como é a realidade de diversos artistas portoalegrenses, disponibilidade exclusiva para o seu envolvimento com o trabalho. Este fator coloca em risco constantemente a noção de profissionalismo. Neste sentido, alguns aspectos do discurso da poética do grupo se distanciam da realidade prática, ainda que tais aspectos tenham sido estabelecidos pelos próprios criadores.
            Poderia mencionar questões aparentemente bastante simples, como é o caso, por exemplo, da dinâmica de cumprimento dos horários definidos para os encontros do grupo. Como podemos, me pergunto, estabelecer uma harmonia entre o discurso e a vivência cotidiana, se na poética dos espetáculos abordamos os aqui mencionados fatores humanos presentes no encontro com o outro, e ainda assim é tão fácil pôr em risco a confiança que estrutura a relação com este outro? Afinal, quando decidimos coletivamente um horário para os encontros de rotina do grupo, e de alguma forma, na vida diária, a realidade prática que se estabelece é que alguns integrantes não conseguem cumprir o horário que fizeram parte da decisão de estabelecer, impõe-se aí uma questão de confiança. Este fenômeno se deve, via de regra, a problemas pessoais ou questões de trabalho. Pois, como sobreviver unicamente do grupo de teatro é algo ainda da esfera utópica em nossa cidade, os criadores trabalham também em outros projetos. Todavia, por vezes ocorre o evento do hábito ao atraso, e o que deveria ser exceção, se torna regra. Uma possibilidade imediatamente posterior é o surgimento de um abalo na confiança mútua entre os integrantes. Ora, retorno então à pergunta inicial: quais as razões para que, havendo uma escolha por um discurso poético que trate do encontro com o outro, a vivência deste discurso não consiga ocorrer na prática?
             Desta questão aparentemente mais simples, abrem-se outras tantas muito mais complexas, que em ocasião mais oportuna trataremos. Por enquanto, o momento é de interrogar. Desta forma, fico nas perguntas que o assunto me suscita.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Texto do Colóquio (Parte 3)

       
Então, segundo postagem anterior, segue aqui a terceira parte do texto que escrevi para o Colóquio de Montevideo, do qual participei mês passado.
Reitero que ele foi escrito para ser lido ao vivo, e isto é o que lhe concede o caráter coloquial.
Creio que mais uma postagem dê conta de chegar ao final do texto.
Boa leitura e um abraço.



(...)

  
           Sobre esta dimensão política da forma, Marianne Van Kerkhoven[1], faz um estudo que se detém na relação entre a ética e a estética na criação em teatro, e o faz inicialmente explanando um contexto histórico, reportando ao período que se iniciou no final dos anos 60 e perdurou na década de 70: Marianne afirma que os anos 70 foram marcados pelo trabalho coletivo, pelo desejo de dar a palavra a todos aqueles que não se escutava; que na prática artística tentava-se ter um diálogo direto com o público. E observa que no teatro de hoje convivem coletividades de outra natureza: o ator, o material humano, tem se tornado o elemento primário e essencial do processo criativo. Se recorre à personalidade global dos atores, não somente às suas atitudes técnicas. Não há a necessidade de ouvir uma só voz, de ouvir a um grupo inteiro pondo-se de acordo sobre suas ideias; pelo contrário, se quer ouvir vozes diferentes, se quer fazer presente o pensamento individual de cada colaborador. Os atores não são apenas executantes, mas se convertem em co-criadores, que buscam esta mesma relação com os espectadores – estes não são considerados como consumidores passivos, mas como indivíduos ativos, que pensam, sentem e se expressam. O pensamento político que se encontra hoje no teatro está muito condicionado por esta atitude ética.
            Tal processo é resultado do fenômeno de desmantelamento das crenças políticas dos anos 70, quando se acreditava que todas as expressões da realidade social formavam parte de um todo controlável e inteligível. A sociedade estaria composta por uma base e uma superestrutura entre as quais havia movimentos complexos, mas que seriam possíveis de se controlar. Uma vez sob controle se poderia desmontar essa estrutura e reconstruí-la de maneira mais justa. As categorias do pensamento marxista, segundo Marianne, impulsionavam as pessoas na direção de um otimismo entusiasta no que tange à possibilidade de mudança desta organização humana. Mas as grandes mudanças precisaram esperar e a contradição entre a realidade e os pensamentos se tornou cada vez maior. A realidade começou a parecer mais ilegível. A grande construção se fazia em pedaços e todos começaram a se ocupar dos fragmentos na tentativa de levar a cabo em um campo mais restrito pelo menos alguns dos objetivos.
            Atualmente há um retorno para este caminho desde o fragmento até a unidade, até a totalidade, mas sem um marco estrito em que tudo tem seu lugar preciso. Marianne defende que talvez se encontre aí a significação profunda da vulnerabilidade da arte atual. Hoje estamos obrigados a ler a realidade mais profundamente e com mais precisão do que se tem feito antes. A intuição se converte nesse momento em uma íntima companheira.
            O paradoxo do compromisso atual do artista, segundo a autora, reside no fato de que o mesmo artista, que era uma força social progressista, está se tornando um defensor dos “velhos valores”. E a pergunta que daí extrai é: ele se tornou conservador ou é o mundo que está invertido? O que contesta as tendências gerais da sociedade, neste momento, luta contra a “ficcionalização” da vida através dos meios de comunicação, contra uma vida que se desenvolve em uma “realidade” virtual, defende a velha cultura, a leitura lenta dos clássicos da literatura contra as imagens a toda velocidade do videoclipe, luta contra o consumo superficial de uma vida atual que se vê reduzida a clichês. De uma situação tal nasce uma turbulência, um sentimento de confusão individual, de impotência que expressam muitos artistas atuais.
           


[1]  A fusão da ideologia e da estética no teatro contemporâneo Texto proveniente da participação da autora no Seminario de Estudios Teatrales da Universidad de Málaga, que a convidou para falar em forma de conferência sobre a ideologia e a estética na arte contemporânea, mais precisamente no teatro.

(CONTINUA...)
 
Acima, fotografia de elementos cenográficos do espetáculo O Retrato, do grupo Neelic, dirigido por mim. A foto é de Kiran Federico León.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Texto do Colóquio (Parte 2)

Então, segundo postagem anterior, segue aqui a segunda parte do texto que escrevi para o Colóquio de Montevideo.
Sempre lembrando que ele foi escrito para ser lido ao vivo, e isto é o que lhe concede o caráter coloquial.
Bem, acredito que mais uma ou duas postagens dêem conta de finalizá-lo.
Espero que meus pensamentos sirvam para alguma coisa pra ti, que os lê.
Abraço.


(...)
        No caso do grupo Neelic, estamos, há certo tempo, trabalhando algumas questões na poética dos espetáculos que gostaria de trazer aqui: primeiramente buscamos encontrar, de algum modo, aquilo que, no caos da contemporaneidade, ainda possibilita aos homens que se sintam humanos. A percepção de quais elementos “nos unem”, de certa forma. E isto é trabalhado na poética dos espetáculos do grupo a partir da relação entre atores e entre personagens, ou seja, a partir do encontro com o outro, fator relacionado ao posicionamento de Brecht, que afirmava que a menor unidade social não é um indivíduo, mas dois. Também desenvolvemos uma pesquisa poética em busca de uma interferência sobre o espectador. Temos dado a este procedimento a palavra atravessar. Desejamos poder tocar sem tocar no espectador, perturbá-lo. Explico-me: buscamos, na poética dos espetáculos, que o espectador tenha uma experiência estética provocada pelo modo como são tratados temas pertinentes ao humano, como passionalidade, solidão, amor, entre outros. Buscamos que o espectador se sinta atravessado por este encontro de dois ou mais e possa se questionar a respeito de sua própria humanidade, que possa se perturbar. E quando digo tocar sem tocar, quero me referir a universos possíveis deste tocar no espectador, sem que seja necessariamente o toque físico. Quais são as muitas formas de tocar, de contatar? Queremos descobrir que formas possíveis são estas que inicialmente não se deixam perceber.
            Outra questão que me parece relevante destacar na poética que o grupo vem desenvolvento é o evidenciamento dos detalhes da cena. Tradicionalmente, o teatro feito para palco italiano tem como estrutura uma “caixa preta”. Nos últimos três trabalhos do Neelic utilizamos o inverso disto, uma “caixa branca”. A possibilidade deste “clareamento” da estrutura da cena encaminha todo o fenômeno teatral de forma muito diferente do que com o seu convencional escurecimento. As imagens e atuações estão mais expostas, seus detalhes são ampliados, e consequentemente, a percepção do espectador também. Além da dimensão de amplitude que cada elemento da cena recebe, absolutamente nada passa despercebido.
            É preciso aqui observar que há uma busca de aceder a uma dimensão política nesta experiência estética, uma vez que está intrínseca nesta escolha a noção de interrupção já trazida por Lehmann. O autor alemão deixa clara sua posição sobre o caráter verdadeiramente político do teatro: Lehmann afirma ser equívoca a ideia corrente de teatro “político” como a de uma expressão artística que apreenda temas discutidos publicamente ou que ela mesmo traga para a discussão, tendo, dessa forma, efeito esclarecedor. O autor defende que não devemos pensar num teatro com conteúdos políticos de “prima vista”, e sim que incorpore um relacionamento genuíno com o que é político. É necessário, segundo Lehmann, deixar o que é político atingir a estrutura do teatro, ou seja, sua forma, e não trazer ao palco uma realidade política que acontece em outro lugar, para no máximo impingir uma mensagem ou uma doutrina.

(CONTINUA...)

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Novo Blog do Neelic

Gente, o Neelic está de blog novo. Agora é http://gruponeelic.blogspot.com/. Acessem, fiquem por dentro de coisas interessantes e se divirtam!

Texto do Colóquio

Conforme prometido na postagem anterior, segue abaixo o texto que escrevi para o Colóquio de Montevideo.
Preciso avisar que ele foi escrito para ser lido ao vivo, então, está em linguagem coloquial e não formal.
Outra coisa: colocarei ele aqui em partes, pois é grandinho para um blog. A que segue abaixo é a primeira.





RELAÇÕES ENTRE ÉTICA E ESTÉTICA NA CRIAÇÃO TEATRAL CONTEMPORÂNEA (PARTE 1)

            Desde o momento em que comecei a sentir interesse pelas teorias das artes cênicas, noto que muito pouco há escrito a respeito das relações que se estabelecem entre a ética que norteia os processos de criação e a poética do grupo de teatro, e tampouco há um exercício prático disto no desenvolvimento do trabalho dos grupos que hoje atuam. Ao menos não desta forma compreendido ou denominado.
            Escolhi então como objeto de análise o trabalho que o grupo Neelic vem desenvolvendo em Porto Alegre desde sua fundação, no ano de 2003. O Neelic é o grupo teatral do qual faço parte, e cuja sigla significa Núcleo de Estudos e Experimentação da Linguagem Cênica.
Desde a fundação do grupo, participamos de projetos públicos que envolvem o convívio com diversos outros grupos de Porto Alegre, como é o caso da ocupação artística do Hospital Psiquiátrico São Pedro, no qual atuam desde o ano 2000 cinco companhias de teatro em espaços outrora ociosos e abandonados pela maquinaria pública. O Neelic trabalha nesta ocupação desde sua fundação, em 2003, e também, desde 2007, na Usina do Gasômetro, edifício que no qual atuam seis coletivos de teatro e dança, e mais dez convidados. O prédio foi anteriormente uma usina elétrica à base de carvão, mas que desde 1974 estava desativado. No ano 2005 foi estabelecido o projeto Usina das Artes. 
No decorrer da trajetória do grupo, marcada pela convivência com diversos outros grupos de teatro da atualidade, observo que muito tem se pensado na consolidação de elementos que signifiquem uma identidade poética para os grupos.
Todavia, percebo que na busca por esta identidade poética, muito pouco se fala a respeito dos sujeitos integrantes de tais grupos, de seu comprometimento ético individual e de como esse comprometimento ético reverbera na prática e na consequente identidade dos mesmos grupos. Também não se fala sobre a identidade como algo relativo, mas muito frequentemente como algo fixado. Já Bakhtin falava de uma identidade relativa do sujeito, não fixada, e tenho embasado minhas reflexões nesta ótica, trazendo esta realidade para pensar a vivência do grupo: se um grupo é formado de sujeitos, assim como a identidade do sujeito, a do grupo também pode ser considerada com relatividade e não fixidez.  
            Assim, tenho pensado muito em possibilidades de trabalho coletivo, mas de um coletivo que pense de forma harmônica a instância do coletivo e a do indivíduo. Acredito que, anteriormente a criar estruturas sobre o funcionamento dos grupos, é preciso problematizar a existência do próprio grupo. E penso que uma adequada forma de fazê-lo é trazer à tona a instância do sujeito colocado neste grupo.

(CONTINUA...)