Espaço de compartilhamento, registros, sensações, reflexões, discussões, expressões, imagens, sons, vazios... de diversos elementos da forma e do conteúdo da arte e da vida. Blablabla...

"(...) não o grites de cima dos telhados, deixa em paz os passarinhos (...)"

"(...) Quem pode, pode Deixa os incomodados que se incomodem (...)"

"(...) um coturno (...) sapatilhas de arame (...) alpercatas de aço (...) pés descalços sem pele (...) um passo que a revele (...)"

"(...) Pra pedir silêncio eu berro Pra fazer barulho eu mesma faço (...)"

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Texto do Colóquio (Parte 3)

       
Então, segundo postagem anterior, segue aqui a terceira parte do texto que escrevi para o Colóquio de Montevideo, do qual participei mês passado.
Reitero que ele foi escrito para ser lido ao vivo, e isto é o que lhe concede o caráter coloquial.
Creio que mais uma postagem dê conta de chegar ao final do texto.
Boa leitura e um abraço.



(...)

  
           Sobre esta dimensão política da forma, Marianne Van Kerkhoven[1], faz um estudo que se detém na relação entre a ética e a estética na criação em teatro, e o faz inicialmente explanando um contexto histórico, reportando ao período que se iniciou no final dos anos 60 e perdurou na década de 70: Marianne afirma que os anos 70 foram marcados pelo trabalho coletivo, pelo desejo de dar a palavra a todos aqueles que não se escutava; que na prática artística tentava-se ter um diálogo direto com o público. E observa que no teatro de hoje convivem coletividades de outra natureza: o ator, o material humano, tem se tornado o elemento primário e essencial do processo criativo. Se recorre à personalidade global dos atores, não somente às suas atitudes técnicas. Não há a necessidade de ouvir uma só voz, de ouvir a um grupo inteiro pondo-se de acordo sobre suas ideias; pelo contrário, se quer ouvir vozes diferentes, se quer fazer presente o pensamento individual de cada colaborador. Os atores não são apenas executantes, mas se convertem em co-criadores, que buscam esta mesma relação com os espectadores – estes não são considerados como consumidores passivos, mas como indivíduos ativos, que pensam, sentem e se expressam. O pensamento político que se encontra hoje no teatro está muito condicionado por esta atitude ética.
            Tal processo é resultado do fenômeno de desmantelamento das crenças políticas dos anos 70, quando se acreditava que todas as expressões da realidade social formavam parte de um todo controlável e inteligível. A sociedade estaria composta por uma base e uma superestrutura entre as quais havia movimentos complexos, mas que seriam possíveis de se controlar. Uma vez sob controle se poderia desmontar essa estrutura e reconstruí-la de maneira mais justa. As categorias do pensamento marxista, segundo Marianne, impulsionavam as pessoas na direção de um otimismo entusiasta no que tange à possibilidade de mudança desta organização humana. Mas as grandes mudanças precisaram esperar e a contradição entre a realidade e os pensamentos se tornou cada vez maior. A realidade começou a parecer mais ilegível. A grande construção se fazia em pedaços e todos começaram a se ocupar dos fragmentos na tentativa de levar a cabo em um campo mais restrito pelo menos alguns dos objetivos.
            Atualmente há um retorno para este caminho desde o fragmento até a unidade, até a totalidade, mas sem um marco estrito em que tudo tem seu lugar preciso. Marianne defende que talvez se encontre aí a significação profunda da vulnerabilidade da arte atual. Hoje estamos obrigados a ler a realidade mais profundamente e com mais precisão do que se tem feito antes. A intuição se converte nesse momento em uma íntima companheira.
            O paradoxo do compromisso atual do artista, segundo a autora, reside no fato de que o mesmo artista, que era uma força social progressista, está se tornando um defensor dos “velhos valores”. E a pergunta que daí extrai é: ele se tornou conservador ou é o mundo que está invertido? O que contesta as tendências gerais da sociedade, neste momento, luta contra a “ficcionalização” da vida através dos meios de comunicação, contra uma vida que se desenvolve em uma “realidade” virtual, defende a velha cultura, a leitura lenta dos clássicos da literatura contra as imagens a toda velocidade do videoclipe, luta contra o consumo superficial de uma vida atual que se vê reduzida a clichês. De uma situação tal nasce uma turbulência, um sentimento de confusão individual, de impotência que expressam muitos artistas atuais.
           


[1]  A fusão da ideologia e da estética no teatro contemporâneo Texto proveniente da participação da autora no Seminario de Estudios Teatrales da Universidad de Málaga, que a convidou para falar em forma de conferência sobre a ideologia e a estética na arte contemporânea, mais precisamente no teatro.

(CONTINUA...)
 
Acima, fotografia de elementos cenográficos do espetáculo O Retrato, do grupo Neelic, dirigido por mim. A foto é de Kiran Federico León.

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