Espaço de compartilhamento, registros, sensações, reflexões, discussões, expressões, imagens, sons, vazios... de diversos elementos da forma e do conteúdo da arte e da vida. Blablabla...

"(...) não o grites de cima dos telhados, deixa em paz os passarinhos (...)"

"(...) Quem pode, pode Deixa os incomodados que se incomodem (...)"

"(...) um coturno (...) sapatilhas de arame (...) alpercatas de aço (...) pés descalços sem pele (...) um passo que a revele (...)"

"(...) Pra pedir silêncio eu berro Pra fazer barulho eu mesma faço (...)"

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Você não foi convidada

Detesto quando ela vem sem que a estejamos esperando. Detesto é pouco, neste caso. Odeio. Sim, palavra feia. ODEIO. Representação simbólica feia de uma experiência que para mim, é feia. Neste sentimento se encerram muitas coisas a meu respeito: o fato de estar inserida na cultura ocidental, minha juventude, minha paixão pela vida, meu senso de merecimento, minhas expectativas sobre o futuro, meus planejamentos, a raiva violenta que sinto quando algumas coisas (as que são mais caras para mim) fogem totalmente do meu controle.
O nó na garganta, o desespero, a voz trêmula, a tremedeira, os gritos coletivos, os corações compartilhando dores de uma extensão sem fim: clichê, clichê, clichê. Somos todos clichês, neste e em todos os momentos. É em horas como esta que a vida dá uma bordoada na cara e mostra isso, ardente e explicitamente. Carne exposta no mármore branco, sangrando, diria o poeta que tanto admiro, de outro jeito, do seu jeito. E é disso que se trata: do outro. O outro Pessoa, você, a outra pessoa, você, eu, meu outro eu, o outro Pessoa, o poeta. Volto a você, o outro mais caro para mim, neste momento.
A morte é o impedimento de olhar para o outro uma próxima vez, de o abraçar mais uma única vez, um momentinho que seja, rapidinho, tipo abraço-de-susto ou um longo e apertado abraço, daqueles ‘de urso’, daqueles que você sabia dar, meu querido. É a estrada bloqueada de olhar no rosto do outro em uma última oportunidade. É meu caminho interrompido de ver seu olhar sincero e um pouco tímido com as coisas da vida, um pouco distraído das coisas cotidiana da vida, porque em algum lugar de seu espírito você sabia, de alguma forma, que estas ‘coisas da vida’ são as mais banais. Foi na estrada que, literalmente, neste caso, ela te pegou, meu querido. Essa odiosa entidade que um dia todos nós vamos encontrar. Lá se encerrou seu suspiro final. 
Queria ter sabido antes. O sentimento de impotência que agora me invade e que se transforma em litros de lágrimas não alivia a dor. Apenas vaza pelos olhos. Mas é um vazar fingido, porque não resolve, não esvazia. Estou cheia deste ódio feio do qual falava. Estou sem sentido. E vou me permitir ficar assim, por um tempo. Por toda a vida, eu acho. Este fato me tirou uma parte de sentido, e o nó na garganta é por não ter podido lhe dizer que se um dia você morresse, essa seria a consequência para mim: perder parte do sentido de olhar para a vida. Doem minha alma, meu peito, minha coluna e minha cabeça.
Leio-me neste momento, em tempo real, e me sinto ridícula – por escrever para alguém que não vai ler, por pensar nas minhas dores enquanto você jaz, por saber novamente o quão pequenos somos todos, por não saber o que fazer com a Dor, mais uma vez. Lamento, é só o que consigo dizer agora, por não ter te aproveitado mais, te abraçado mais, convivido mais contigo. Tomara que eu sonhe com teu sorriso e teu olhar nesta noite. É só o que sobra.

De Desirée Pessoa
Para Marcus Vinicius Pessoa
Em 09.04.2014