Espaço de compartilhamento, registros, sensações, reflexões, discussões, expressões, imagens, sons, vazios... de diversos elementos da forma e do conteúdo da arte e da vida. Blablabla...

"(...) não o grites de cima dos telhados, deixa em paz os passarinhos (...)"

"(...) Quem pode, pode Deixa os incomodados que se incomodem (...)"

"(...) um coturno (...) sapatilhas de arame (...) alpercatas de aço (...) pés descalços sem pele (...) um passo que a revele (...)"

"(...) Pra pedir silêncio eu berro Pra fazer barulho eu mesma faço (...)"

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Texto do Colóquio (Parte 2)

Então, segundo postagem anterior, segue aqui a segunda parte do texto que escrevi para o Colóquio de Montevideo.
Sempre lembrando que ele foi escrito para ser lido ao vivo, e isto é o que lhe concede o caráter coloquial.
Bem, acredito que mais uma ou duas postagens dêem conta de finalizá-lo.
Espero que meus pensamentos sirvam para alguma coisa pra ti, que os lê.
Abraço.


(...)
        No caso do grupo Neelic, estamos, há certo tempo, trabalhando algumas questões na poética dos espetáculos que gostaria de trazer aqui: primeiramente buscamos encontrar, de algum modo, aquilo que, no caos da contemporaneidade, ainda possibilita aos homens que se sintam humanos. A percepção de quais elementos “nos unem”, de certa forma. E isto é trabalhado na poética dos espetáculos do grupo a partir da relação entre atores e entre personagens, ou seja, a partir do encontro com o outro, fator relacionado ao posicionamento de Brecht, que afirmava que a menor unidade social não é um indivíduo, mas dois. Também desenvolvemos uma pesquisa poética em busca de uma interferência sobre o espectador. Temos dado a este procedimento a palavra atravessar. Desejamos poder tocar sem tocar no espectador, perturbá-lo. Explico-me: buscamos, na poética dos espetáculos, que o espectador tenha uma experiência estética provocada pelo modo como são tratados temas pertinentes ao humano, como passionalidade, solidão, amor, entre outros. Buscamos que o espectador se sinta atravessado por este encontro de dois ou mais e possa se questionar a respeito de sua própria humanidade, que possa se perturbar. E quando digo tocar sem tocar, quero me referir a universos possíveis deste tocar no espectador, sem que seja necessariamente o toque físico. Quais são as muitas formas de tocar, de contatar? Queremos descobrir que formas possíveis são estas que inicialmente não se deixam perceber.
            Outra questão que me parece relevante destacar na poética que o grupo vem desenvolvento é o evidenciamento dos detalhes da cena. Tradicionalmente, o teatro feito para palco italiano tem como estrutura uma “caixa preta”. Nos últimos três trabalhos do Neelic utilizamos o inverso disto, uma “caixa branca”. A possibilidade deste “clareamento” da estrutura da cena encaminha todo o fenômeno teatral de forma muito diferente do que com o seu convencional escurecimento. As imagens e atuações estão mais expostas, seus detalhes são ampliados, e consequentemente, a percepção do espectador também. Além da dimensão de amplitude que cada elemento da cena recebe, absolutamente nada passa despercebido.
            É preciso aqui observar que há uma busca de aceder a uma dimensão política nesta experiência estética, uma vez que está intrínseca nesta escolha a noção de interrupção já trazida por Lehmann. O autor alemão deixa clara sua posição sobre o caráter verdadeiramente político do teatro: Lehmann afirma ser equívoca a ideia corrente de teatro “político” como a de uma expressão artística que apreenda temas discutidos publicamente ou que ela mesmo traga para a discussão, tendo, dessa forma, efeito esclarecedor. O autor defende que não devemos pensar num teatro com conteúdos políticos de “prima vista”, e sim que incorpore um relacionamento genuíno com o que é político. É necessário, segundo Lehmann, deixar o que é político atingir a estrutura do teatro, ou seja, sua forma, e não trazer ao palco uma realidade política que acontece em outro lugar, para no máximo impingir uma mensagem ou uma doutrina.

(CONTINUA...)

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